domingo, 28 de setembro de 2014

  Pesadelo


   Arghus andava pela cidade. Na rua viu crianças brincando, cachorros latindo, uma mãe vivendo com seu filho. Vivendo! Como isto é possível? Então foi até a moça.
   - Senhora, o que está fazendo?
   - Estou com o meu filho... Não consegue enxergar?
     Ele não entendeu, ele enxergava! Aquela moça... ela enxergava? Arghus não sabia.
     Em meio a toda aquela felicidade, o jovem Arghus, com toda a sua velhice, saiu correndo. Correu até o vale que parecia mais medonho, para ali viver. Quando chegou lá descobriu que havia pássaros, todos cantando e montando seus ninhos. Mais a frente existia um acampamento, para as pessoas passarem as suas férias. Arghus não aguentava mais, iria enlouquecer. Esfaqueou seu peito. Enquanto sangrava, ouviu seu alarme. Em um suspiro de vida, acordou em sua cama. Ouviu seu mundo. Sentiu o cheiro da fumaça, ouviu a buzina dos carros, e lá longe, ecoando em seu quarto, o choro de uma criança, que não queria nascer.
    “O que está acontecendo?”, pensou. O mundo está errado para ele, ou ele estava errado para o mundo. Então foi ver seu amigo, Augusto. Quando chegou na casa, ele já não estava. O pobre Arghus ficou louco, o que havia acontecido com ele? Então viu um bilhete na porta, e foi ver o que estava escrito.
   “Tudo passa... fique tranquilo. Tudo passa, a vida é o sentido da vida. Espere a maré diminuir, o oceano vai ficar calmo.”
    O que ele queria com aquilo? Ficou louco. O mundo está um caos, as pessoas pensam que vivem. Tentam respirar mais do que as outras. Como ele pode dizer isto? Insano.
     Arghus, após ficar sentado ali, sem nada a oferecer, percebeu que aquele lugar já estava falido. As pessoas, condenadas. Consertar apenas a si não adiantaria. “Prefiro ser nada, o nada, a ser algo aqui.” Com isto, Arghus se matou. E morreu? Coitado, não pode morrer. Quando sangrava, ouviu os pássaros cantarem. Pulou do chão, sentiu o ar fresco, estava no vale, novamente.
   -Acorde, acorde! - Era seu amigo, Augusto.
   -O que faz aqui?
   -Eu vivo, como todos.
   Então viu um crachá no peito de Augusto. Como se pertencesse a algum escritório. Arghus perguntou o que era aquilo, e seu amigo explicou que era onde todos trabalhavam. Não havia escalas, não existia, além do chefe, alguém superior a eles. Augusto não conseguiu contar como o chefe era, pois nunca o viu. Mas sabia de vários boatos sobre ele.

   Tudo parecia perfeito, viveria naquele mundo. Pessoas compreensivas, sentimento uno, a moral já estabelecida. E assim os anos passaram. Arghus casou, criou dois filhos, que ficaram parecidos com o pai, e ficou velho. Certo dia, após o inverno, Arghus sentiu uma dor imensa no seu peito. Ligou para o seu chefe, o mesmo de Augusto e de todos, mas ele não atendeu. Viu que ali seria seu fim. Como um corte do coração, Arghus morreu. E acordou. Estava na porta de seu amigo Augusto. O cheiro já conhecido, sabia onde estava. E sabia que não sabia mais também. Olhou para a rua... decidido a morrer, viu um gato ser atropelado, e pensar que ali morreu. 

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