quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Retratos e Memórias


   Os sinos ecoavam, meu quarto estava surdo. A Igreja no final da rua não casava, continuava a ecoar o sino... mas minha janela está sendo tocada por neve agora, quase coberta. Sem levantar da minha cama, já estava cansada de observar o teto, virei meu rosto. Incontáveis fios amarelos tamparam minha visão, meu cabelo, acho [...] Não queria retirar ele da minha vista, fiquei inerte, até o crepúsculo engolir o dia. Já está na hora? Retirei aqueles fios do meu rosto. Minha cama? Grande e vazia, parecia que a neve ali repousava. Meu quarto, com todas aquelas memórias, encontrava-se só, eu já não contava. Não contava?! Mas eu sou a menina. No fundo, dentro do meu próprio nebuloso vale, eu sabia. Não contava pois eu não era passageira, o quarto nunca me pertenceu, nem eu a ele. Não há como nos separar.
   Enquanto estava deitada em meu mundo, acho que essa é a palavra, prestava atenção nos barulhos da rua. Não quero mais ouvir o sino. Creio que seja uma mãe com seu filho. Tantas trocas de afeto, mas está muito frio. O que faz esses dois lá fora? Quem se importa... acho que pensavam assim. Risos, acho que era, duas pessoas brincando lá fora. Provavelmente bolas de neve, como uma guerra para aliviar o mundo. Ou talvez um boneco, sabe, daqueles com nariz de cenoura, moldá-lo como desejar, desfazer quando quiser, ou deixar o inverno passar, o tempo levará. Um carro também passou, mas era só um carro.
   Depois de algumas escolhas, passou pouco tempo, sentei na cama. Esqueci que a janela estava coberta de neve, mas olhei para ela. Ouvi passos na escada de casa. Fiquei esperando os passos acabarem, mas não acabou.
   Chegou um momento em que eu deitaria novamente ou sairia por aquela porta. Não defini como uma escolha certa, mas atravessei a porta. A escada me encarava. Vazia, com um espelho no final. Fui até o espelho, fiquei ali por um período. A  imagem, minha imagem, pele pálida, olho azul (é o que todos dizem), e... não sei. Atrás apenas a escada e a porta do meu quarto aberta, como um convite. Fechei meus olhos rapidamente. Quando abri, para minha surpresa, juro, eu ainda estava lá.
   Resolvi ir até a rua, ver aquelas pessoas. Foi complicado abrir a porta, a neve não deixava. Tive que fazer muita força para conseguir, e no final consegui.  Se foi bom ou ruim é com você. No exato momento em que abri, as vozes pararam. Mas o sino continuava. Primeiramente pensei que estavam calados, mas depois percebi que nunca houve alguém.
   E a Igreja com seu sino? Vou pará-lo. Corri, o crepúsculo já estava sendo engolido. Quase perto da esquina da Igreja, tropecei em uma pedra e caí. Já consegui ver ali do chão. Não era uma Igreja. Era um velho balançando um sino. Fui até ele e fiz algumas perguntas. Mas ele não fez nada além de tocar o maldito sino. Desculpe-me a palavra. Desisto daquele senhor? Não fiz, apenas o esqueci. Mas voltei a visitá-lo. Retornei até o meu quarto, deitei novamente. Olhei para o lado, como sempre não havia ninguém. Dormi.
   Os sinos ecoavam, eu estava surda.

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