sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Adega


Aqui estamos
Vinho quente, empunhados
O tempo distante
Nós, enfim, conquistados

Libertem a alma! 
Ela está aqui para escutar
Respire, tome tempo
Pegue seu ar

O dia que todos partirão,
Compartilhar, da vida,
A única coisa real

A porta está aberta,
Eu não vejo você...
Você já me viu?

Então, mostremos...
O paraíso, aos anjos
O inferno, aos demônios
Eu, a você
terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Redenção


Deixe-me, saia 
Estou perdido, sem jeito 
Fuja, vá viver no paraíso 

Estou errado 
Condenado, de volta à morte 
Mas você nunca esteve certa

Já nos perdemos, 
Meu desejo morreu primeiro, 
Eu quero arrancar meu coração, 
Junte-se 

Já não pode desaparecer 
Mas não entre novamente 

Já me cortou muito, 
Traga-me apenas minha cabeça
sábado, 13 de dezembro de 2014

Soneto XIII: Via-Láctea 


"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo 
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...


E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas"


                                 Olavo Bilac
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Encontro


 Começou a chover. Estávamos nós três, ou talvez eu. Estava encharcada, mas os dois não se molhavam. Fiquei com medo. Estremeci. Corri para além da colina, onde um lago dormia com a chuva. Sentei a sua beira, junto com a grama. Adorava aquele sabor, o cheiro da grama, as gotas caindo no lago, a lua refletindo. As ondas se formavam a cada pedra que eu jogava ali. Se formavam, cresciam, e depois, apenas sumiam. Eu me lembro de cada onda que surgiu, mas só. Só uma onda. 
  Meu cabelo juntava-se a meus ombros, e então gotas passavam em meu rosto. Não sei o motivo, acabei me acostumando. As lágrimas juntavam-se ao orvalho, já não dava para saber de quem era a tristeza. Minha ou do mundo. Arranquei algumas gramas do chão, fiz uma pequena cova, e enterrei minhas lágrimas ali. Mas o orvalho não sumiu do gramado. Será que os dois já se molharam? Não sei se vão me aceitar... não sei se quero. 
  A lua já estava tocando o lago quando aconteceu. Não me pergunte o tempo, por favor. Ondas surgiram lá, perto do meio do lago, e eu a vi. Eu mesma, perto da lua, sem lágrimas no rosto, sem o meu cabelo molhado, me convidando. Não hesitei. Mergulhei no lago mesmo ainda estando sentada. Era estranho ali, não sei se estava sonhando, mas me senti em casa. Respirava em baixo da água, e pude andar no fundo do lago. Olhei para a lua, ela parecia mais bonita daqui. Conseguia vê-la por dentro. Ela nunca esteve fora da água. As algas aqui não choram como a grama. Mas senti o mesmo peso nelas. Andei em meio as algas, o escuro misturado com o azul resplandecente da lua deixava-se vislumbrar em meus olhos. Quando achei um local um pouco mais aberto, fiquei imóvel. Sentei, deitei, meus cabelos cobriam meu rosto, ali adormeci. Acordei muito depois, a lua ainda estava lá. Ali, dentro da água, também não me achei. No chão se encontravam algumas pedras brancas, as algas se soltavam e flutuavam, quase como livres. Sumiam na escuridão. 
  Era aquele o meu mundo? Solitário e agitado, frio e quente, mas meu. A superfície voltou a ficar trêmula. O céu voltara a chorar. Não queria abandonar aquele local, estar molhada ali não fazia diferença. Mas precisava sair, tinha que ver como os dois estavam. Sabia que eles não gostariam daqui, mas se molhassem... espero que não aconteça. Voltei pelo mesmo caminho. Ali estava eu novamente, sentada a beira do lago. Lágrimas em punho. O cheiro melancólico da grama voltou aos meus sentidos. Subi a colina e voltei para os dois. Não tinham se molhado. Não me entendiam. Não os culpava por isso. Ainda conversavam sobre o mesmo assunto que eu não entendia. 
  Depois, aprendi a voltar para o lago. Sempre que o fazia conseguia entrar em meu próprio nada. Mas sempre me obrigava a voltar. Acabei aceitando que não tem como viver lá. Pelo menos não tenho certeza. Mas o lago sempre me convidava, assim como eu mesma. 
terça-feira, 9 de dezembro de 2014

 Tempo


 Tudo desapegou. A morte me abandona aos poucos. Porque eu não consigo?! Diga-me! Não acharei resposta aqui.
  Ela está sentada do outro lado. Não sei qual era a cor da roupa. Seus olhos estavam me consumindo. Eu estava jogando fogo nos meus sonhos. Não importa o quanto eu queime, o final é sempre falho. Segure-me! O ar está me torturando. Mas os olhos ainda continuam a me consumir. Não sei onde estou. Digo a ela? Digo? Nem eu sei o que dizer. Pegue minha alma. Venda. Ela quem sofre.
  Passei algum tempo... não, apenas passei, acho que o tempo não estava ali, olhando-a. Depois voltei a morrer com o tempo.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Sobre viver


      Subiu os degraus do restaurante e parou à porta. Tão Grande e forte, o homem impedia que os raios de Sol entrassem, pois seu tronco duro consumia a entrada.Observei-o. Usava uma camisa manga curta azul desbotada e uma calça de um bege sujo. Tinha os punhos cerrados no tamanho de talvez dois melões.
      Respirou fundo e limpou o suor do queixo com as costas da mão. O sujeito sem nome tinha a face escondida por um boné. O negror de sua pele lhe dava um ar de fortalecido pela vida. Mantinha os punhos fechados como se estivesse pronto. Deu mais uma olhada ao seu redor com cautela, comigo contava-se quatro no estabelecimento. Pisou em direção à sua mesa, três ao lado da minha. Passou os dedos sobre a madeira gasta e procurou o garçom ao seu redor. Encontraram-se. Olharam-se como cúmplices, mas palavras não trocaram. Sentou-se. Percebi o quanto ele pertencia ao lugar. Espichou as pernas e deu um suspiro. Em pouco tempo um prato foi largado sobre a mesa. Cheio, arroz, feijão e um ou dois ovos sobre esses. Senti-o salivar.
     Tirou o boné e pousou-o à frente, uniu as mãos ásperas de labor e fechou os olhos. Não havia nada no recinto. Apenas garfos cortando o murmúrio lento. O murmúrio do incrível. Nada fora aquele momento. Passado certo tempo, o negro de cenhos constantemente franzidos abriu os olhos. Olhou seu prato e respirou fundo. Em seguida olhou para algo além do teto. Voltou-se para a mesa. Pegou seu talher. Saciou seu vazio.

Perfume de Lírios


Pés descalços, andando sem rumo 
A areia calejada pela brisa descansa
A lua brilha azul no horizonte
Brisa fria... Lírios, não por fora, não fora

Conchas por todo caminho trilhado
Um som ao fundo indecifrável 
Socorro, ajuda, dor, não sei 
Oceano furioso com sua paz 

Rotineiramente as águas alcançam
Tocam meu pé e fogem, voltam 
O momento do toque, fantástico 
A falta, o Oceano tenta cobrir 

A brisa contínua não deixa esquecer
Meus pés ainda estão molhados 
A água não dá tempo para secar
Mas o Oceano não conhece tempo

Já não sinto o caminhar pela areia
As rochas no fim não alcanço 
Paro, sento, fico assistindo 
A lua beija o Oceano, lágrimas escorrem

As lágrimas espalham-se pelo mar
Deixam um rastro até sua dona 
O Oceano as apara, não as deixa afundar
A brisa as afasta, a maré as trás 

Sentado vejo a dor da lua 
Vejo minha senhorita no oceano 
Como um anjo... talvez 
Vejo o Oceano a segurando

Enxergo a dor do Oceano
Calmo para todos 
Apoio para a lua 
Lar de minha dama

Extinguiu-se toda vitalidade de nós 
O sofrimento aumenta no luar
A lua mostra seu brilho 
Minha senhorita confunde-se com as lágrimas